Lua Negra

Também chamada Lilith, é um ponto fictício na trajetória orbital da Lua ao redor da Terra; mais praticamente, trata-se do segundo foco da órbita lunar (o outro foco é a Terra), cuja posição é sensivelmente a mesma do apogeu lunar (ponto em que a Lua está mais afastada da Terra). Esse ponto não é fixo, desloca-se aproximadamente 40o por ano. A Lua Negra é um ponto altamente metafísico em um mapa astral. É de interesse principal para aqueles que buscam uma dimensão esotérica em Astrologia. Simboliza o oculto, o inconsciente, a parte que as pessoas não reconhecem facilmente nelas, a “sombra” no sentido junguiano do termo. Onde a Lua Negra se encontra é um polo de lucidez absoluta, de luz, tão ofuscante, tão intensa, que se pode querer recusar vê-la. Em seus aspectos dissonantes indicará um corte, uma falta, uma recusa, um vazio, e sempre representará no mapa astral de uma pessoa influenciada por ela alguma coisa incômoda e fascinante para os outros. (AUBIER, 1992, p. 256).

30/01/2008

APRENDENDO A OUVIR

A falha na comunicação é uma causa comum de descontentamento em relacionamentos. Na verdade, nossa geração pós-guerra tem visto uma imensa quantidade de terapias, treinamentos e programas de todos os tipos delineados para ajudar casais, famílias e negociantes a aprender como ouvir. Essas intervenções têm sido tão bem sucedidas em atrair pessoas com problemas de relacionamentos – e quem em nosso mundo não sofre com relacionamentos problemáticos? – que uma verdadeira indústria surgiu, representando toda gama de técnicas profissionais e outras nem tanto. De uma forma ou de outra, todas elas tentam ensinar às pessoas como escutarem umas às outras, e ouvirem o que está sendo comunicado.

Diplomatas são treinados – ou deveriam ser – em culturas com as quais estão interagindo, para serem mais sensíveis às nuances de comunicação, diferentes das suas próprias, para que não ofendam ou insultem sem terem intenção disso. Eu me lembro, quando estava trabalhando com uma tradutora búlgara de Um Curso em Milagres, de ficar desconcertado com o fato de ela repetidamente sacudir sua cabeça de um lado para o outro no que parecia ser uma resposta negativa aos meus comentários e sugestões. Eu finalmente perguntei a ela o que estava errado, apenas para descobrir que na Bulgária, uma resposta dessas tinha significado afirmativo. Claramente não houve nenhum dano, mas imaginem as repercussões potenciais se negociações diplomáticas delicadas estivessem sendo conduzidas e ocorresse uma interpretação errônea tão fundamental.

Essas formas variadas de treinamento-para-ouvir, se me for permitido usar um termo desses, certamente podem ser úteis para facilitar uma comunicação mais fluída de uma pessoa para outra, cada uma aprendendo a ter mais respeito pelos sentimentos e experiência da outra. No entanto, quase sempre, existe uma ênfase em respeitar não apenas os sentimentos dos outros, mas de atender às próprias necessidades. Tais abordagens, enquanto eficazes talvez em curto prazo, são uma solução conciliatória arriscada em longo prazo, em que os parceiros precisam escolher sacrificar parte de suas necessidades e desejos para manter o relacionamento. Tais barganhas não podem deixar de evocar ressentimento, ainda que inconscientemente, uma vez que as pessoas nunca recebem o que acreditam ser seu direito. E, quanto existe um ressentimento silencioso, a projeção inevitavelmente precisa se seguir a isso. No início do texto, Jesus descreve essa situação conflitada onde:

…a mente e o comportamento estão em desacordo, resultando em uma situação na qual tu estás fazendo o que não queres totalmente fazer. Isso faz surgir um senso de coerção que usualmente produz fúria e a projeção está propensa a vir em seguida (T-2.VI.5:9-13).

Por outro lado, a verdadeira comunicação, como ensinada em Um Curso em Milagres, objetiva liberar todas as partes envolvidas, da carga da exigência da satisfação de necessidades. Portanto, Jesus ecoa o mesmo descontentamento em relação às nossas comunicações errôneas uns com os outros, e nos oferece seu treinamento único do perdão. Nesse artigo, portanto, quero discutir o significado da comunicação, especialmente o que significa realmente ouvirmos uns aos outros.

Um ponto de partida importante é que é impossível ouvir os outros enquanto tivermos em relação a eles uma necessidade que precise ser satisfeita. A razão é óbvia quando pensamos a respeito. Nossas necessidades prementes exigem satisfação, não importando as circunstâncias externas. A educação social a que todos somos expostos geralmente nos permite adiar tal gratificação, embora não sem um senso de sacrifício, como está indicado na citação acima. Nossa necessidade inconsciente de satisfação assegura que qualquer que seja o relacionamento no qual estivermos no momento vá ser experienciado de forma adversa, não importando sua forma e o quanto essas percepções possam ser inconscientes. Portanto, não estamos realmente presentes para os outros, mas apenas para o que nossas necessidades fizeram deles. Estudantes de Um Curso em Milagres certamente vão reconhecer essas descrições, pois elas formam o cerne dos ensinamentos de Jesus sobre os relacionamentos especiais, aqueles substitutos para nosso relacionamento com Deus, nossa Fonte, dentro do qual não há necessidades:

Tu, que queres paz, só podes achá-la no perdão completo... Embora não exista nenhuma falta na criação de Deus, ela é bem evidente no que tu fizeste... Até a “separação”, que é o significado de “queda”, nada estava faltando. Não existiam quaisquer necessidades. Necessidades só surgem quando tu te privas. Ages de acordo com a ordem particular de necessidades que estabeleces. Isso, por sua vez, depende da tua percepção do que tu és (T-1.VI.1:1,3-4,7-12).

Seguindo os ditames do nosso ego de falta e privação, nós buscamos encontrar a satisfação de nossas necessidades, não importando o custo, embora esperemos que seja outro que vá pagar. Portanto, nós buscamos sacrificar a felicidade de outro para podermos encontrar a satisfação a que o ego aspira. Como, então, podemos ouvir a outro? Como, então, podemos ouvir o queixoso chamado por liberação da dor? Como, então, podemos encontrar em outro o eco do nosso próprio chamado? Jesus quer que façamos essas perguntas sobre nós mesmos para ouvirmos sua resposta. Responder o chamado de outro responde o nosso próprio:

Ouve o pedido de ajuda de um irmão e responde-o. Será a Deus que responderás, pois O chamaste. Não há nenhum outro caminho para ouvir a Sua Voz. Não há nenhum outro caminho para buscar o Seu Filho. Não há nenhum outro caminho para achar o teu Ser (P-2.V.8:5-9).

Mas estamos nos adiantando, pois primeiro precisamos entender o que é que estamos buscando ouvir. Vamos, portanto, voltar ao início, que pareceu se seguir ao verdadeiro Início. No instante ontológico, dentro do qual acreditamos termos nos separado do nosso Criador e Fonte, também nos separamos da canção da criação:
a única voz que o Criador e a criação compartilham; a canção que o Filho canta ao Pai, Que retorna os agradecimentos que ela Lhe oferece ao Filho. A harmonia é sem fim assim como também é sem fim o alegre acordo do amor que eles dão um ao outro para sempre. E nisso a criação é estendida... O amor que eles compartilham é o que todas as orações virão a ser através de toda a eternidade, quando o tempo tiver terminado. Pois tal era antes que o tempo parecesse existir (C-1.in.1:3-8,9-12).
Mas realmente, o tempo pareceu acontecer, e a nota do Filho de Deus realmente pareceu ter sido perdida na canção do Céu (T-26.V.5:4). Além disso, naquele único instante não santo de separação, nós não apenas nos tornamos surdos à canção do Céu, mas também à lembrança do Espírito Santo. Portanto, a canção foi esquecida, embora sua melodia tenha permanecido conosco, apesar dos mais inventivos esforços do nosso ego para mantê-la esquecida. Estudantes do Um Curso em Milagres certamente não deixam de estar familiarizados com essa inspiradora passagem de esperança e promessa:
Escuta – talvez possas captar um indício de um estado antigo, não totalmente esquecido... Nem toda a canção ficou em ti, mas apenas um pequeno trecho da melodia... Mas te lembras, apenas a partir deste pequeno trecho, como era bela a canção, como era maravilhoso o cenário em que a ouviste e como amavas aqueles que ali estavam e escutaram contigo... Ouve e vê se te lembras de uma canção antiga que conheceste há muito tempo e da qual gostaste mais do que qualquer melodia que tenhas ensinado a ti mesmo a apreciar desde então (T-21.I.6; 7:7-9).
Mas, lembrar da canção antiga de amor e unicidade significava esquecer nossa canção recém-composta de especialismo e separação; um “sacrifício” que não estávamos preparados para fazer. E, então, a comunicação foi despedaçada, e a dissonância veio substituir a harmonia:
A comunicação direta foi quebrada porque tinhas feito uma outra voz (T-5.II.5:9-10).
A separação não foi uma perda da perfeição, mas um fracasso na comunicação. Uma forma de comunicação áspera e estridente surgiu como a voz do ego (T-6.IV.12:3-6).
A separação, portanto, destruiu a comunicação com nossa Fonte e rompeu seu fluxo perfeito, substituindo-a pelo grito estridente do ego. Em nossa insanidade, nós preferimos essa canção de separação e especialismo, e, então, escolhemos não ouvir a melodia do Espírito Santo – a canção esquecida. E, portanto, ela tem continuado através da vasta ilusão do ego de tempo e espaço (LE-pI.158.4:1). Entretanto, se as idéias não deixam sua fonte, como Jesus repetidamente nos relembra, então, aquela decisão original de não ouvir o Espírito Santo e Sua melodia de paz permaneceu conosco. E o texto nos instrui sobre o tempo:
O diminuto tic-tac do tempo no qual foi feito o primeiro equívoco e todos eles dentro desse único, também continha a Correção daquele equívoco e de todos os que vieram dentro do primeiro (T-26.V.3:6-9).
Em outras palavras, nós revivemos – “a cada dia e em cada minuto de cada dia e em cada instante que cada minuto contém” (T-26.V.13:1-2) – nossa decisão original de não ouvir. Não deveria, portanto, ser surpresa nenhuma que todas as pessoas sintam tal tremenda dificuldade em se comunicar, em ouvir outra pessoa sem suas próprias intenções ocultas - o que frustra a habilidade de ouvir verdadeiramente o que está sendo dito. Uma analogia musical mostra o mesmo ponto. Grandes músicos observaram que “O que é melhor na música é que ela não é encontrada nas notas” (Gustav Mahler); o maestro deveria ouvir a música “por trás das notas” (Wilhelm Furtwängler); e a verdadeira música está no “silêncio entre as notas” (Isaac Stern). Richard Wagner incitava os maestros a ouvir o trabalho das melos – a palavra grega para “canção” -, querendo dizer a melodia interior da composição, sem a qual a música seria conduzida “sem uma sombra de alma ou de sentido”.
Reafirmado na terminologia do Um Curso em Milagres, nós diríamos que é preciso ouvir o conteúdo da música, por trás da sua forma. De modo similar, deveríamos permitir que nossa atenção passasse para o outro lado da insignificância dos nossos julgamentos e concepções errôneas para o conteúdo subjacente de amor ou de pedidos de amor que soam em cada um de nós. Theodore Reiki, a quem Freud considerava um de seus estudantes mais talentosos, relata um maravilhoso exemplo de ouvir em seu trabalho clássico Ouvir com o Terceiro Ouvido. Ele relata a história, e eu a repito agora de memória, de uma paciente que veio ao seu consultório para sua consulta regular. Ela comentou com Reik sobre um livro que estava de ponta cabeça na sua estante. Sem que nada mais tivesse sido dito, o famoso analista perguntou: “Por que você não me diz que teve um aborto?”. A pergunta de Reiki, é claro, foi direta ao ponto, e, em seu livro, ele explica como deduziu sua surpreendente conclusão a partir do comentário da mulher. O ponto não é que nos tornemos todos perspicazmente intuitivos como o psicanalista, mas é importante ouvirmos com o “terceiro ouvido”, liberado apenas quando suspendemos nossa necessidade de avaliar situações e julgar os outros – tudo baseado em nossas necessidades percebidas e prementes preocupações pessoais.
É um axioma psicoterapêutico que não possamos compreender quando julgamos. O julgamento é a projeção sombria da separação, enquanto o entendimento reflete a luz da comunicação: a canção da oração que une o Pai e o Filho, o Criador e o criado, a Causa e o Efeito. Portanto, podemos dizer que aprender a ouvir significa aprender a desistir do julgamento. Na verdade, no panfleto “Psicoterapia: Propósito, Processo e Prática”, Jesus faz da liberação do julgamento o único requisito para uma psicoterapia bem sucedida, pois isso desfaz o sistema defensivo do ego de substituir o conteúdo pela forma. Isso permite que o terapeuta ouça o paciente, e escute o pedido para que seja mostrado a ele que está errado sobre a separação. Ao liberar as barreiras do julgamento que escondem a comunicação, o ego é desfeito. As formas do problema são vistas através do conteúdo único da separação e dos interesses separados, e a cura acontece conforme o terapeuta espelha para o paciente os interesses compartilhados do Filho único de Deus: ouvir a melodia esquecida e lembrar-se do Amor que é nossa única Fonte. E, então, somos ensinados:
É no instante que o terapeuta esquece de julgar o paciente que a cura ocorre... porque só então pode ser compreendido que não há nenhuma hierarquia de dificuldades na cura (P-3.II.6:1-2; 7:2-3).
O que pode o professor fazer para garantir o aprendizado? O que deve fazer o terapeuta para trazer a cura? Só uma coisa: o mesmo requisito que a salvação faz a qualquer pessoa. Cada um tem que compartilhar uma meta com uma outra pessoa, e fazendo isso, perder todo o senso de interesses separados. Só fazendo isso é possível transcender as fronteiras estreitas que o ego quer impor ao ser. Só fazendo isso é possível que o professor e o aluno, o terapeuta e o paciente, eu e tu aceitemos a Expiação e aprendamos a dar assim como foi recebido (P-2.II.8).
Retornando ao nosso tema anterior, enquanto nos relacionarmos uns com os outros a partir de necessidades pessoais – as afirmações do especialismo -, o julgamento é inevitável. Nossos interesses separados se tornam a realidade, provocando a exigência de que essas necessidades sejam satisfeitas. O relacionamento agora existe somente para satisfazer essas exigências, e ele se torna o tempo do ego a cujo relicário de especialismo todos nós vimos com nossas oferendas de julgamento e amor especial, o que, como Um Curso em Milagres afirma, não é nada mais do que um fino véu sobre o ódio. A outra pessoa desapareceu por trás das nuvens de escassez e privação, e nós não a vemos nem a ouvimos mais.
Sem julgamento, entretanto, alguém só pode ouvir, sem impor suas necessidades e exigências de satisfação do especialismo. A pessoa está quieta, serenamente não fazendo nada, mas olhando, esperando e não julgando (LE-pII.1.4:1,3). E o que é ouvido é uma de duas canções: a canção do reflexo do amor, ou a canção que pede por ele. De qualquer forma, nossa resposta ainda é amor. Mas, para que ouçamos essas canções, e não a canção de especialismo e ódio do ego, precisamos estar quietos interiormente, para virmos sem necessidades até nossos irmão. Qual oração melhor do que essa para fluir através de nossos corações e mentes, adaptada do livro de exercícios, sobre como nos aproximamos de Deus; nesse caso, como nos aproximamos do Filho de Deus – Cristo e nosso Ser:
Faze simplesmente isso: aquieta-te e deixa de lado todos os pensamentos sobre o que és e o que Cristo é; todos os conceitos que aprendeste sobre o mundo; todas as imagens que tens de ti mesmo. Esvazia a tua mente de tudo o que ela pensa ser verdadeiro ou falso, bom ou mau, de todo pensamento que julga digno e de todas as idéias das quais se envergonha. Não retenhas nada. Não tragas contigo nenhum pensamento que o passado tenha te ensinado e nenhuma crença que tenhas aprendido com qualquer coisa anteriormente. Esquece-te desse mundo, esquece-te deste curso e vem com as mãos totalmente vazias ao teu Ser (adaptado de LE-pI.189.7).
Com nada nas mãos a que nos apegarmos, com os corações elevados e as mentes à escuta” (LE-pI.140.12:1-2), nós nos sentamos com nosso irmão e escutamos, assim como Jesus guia seus psicoterapeutas, e todos nós em nossas interações individuais:
nenhum bom professor usa um único enfoque para todos os alunos. Ao contrário, ele ouve pacientemente cada um e deixa-o formular o seu próprio currículo; não a meta do currículo, mas a melhor forma para o objetivo que ela estabelece para ele... Há Algo nele que te dirá, se ouvires. E essa é a resposta: ouve. Não exijas, não decidas, não sacrifiques. Ouve. O que ouves é verdadeiro (P-2.II.7:3-7; P-3.I.1:13-15).
Nós agora entendemos, tendo vindo ao nosso irmão sem necessidades que distorçam nossa percepção, que o que parece ser cruel é só medo (T-3.I.4:2), e é o medo que o ego tem do Amor do Espírito Santo. Na presença da Sua canção silente, os sons da nossa identidade separada e especial precisam se dissolver. Na extensão em que acreditarmos nessa identidade, vamos temer a melodia do perdão que recorda à mente – literalmente – a canção que nosso Ser ainda canta para Sua Fonte. Portanto, a verdade é que o ego em todos nós não apenas deixou a Presença da canção, mas vai tentar, através de seus variados e quase infinitos relacionamentos especiais, permanecer tão distante quanto possível do seu chamado gentil.
Quando a dor de estarmos tão distantes desses sons melodiosos do amor se tornar demais para ser suportada, nós exclamamos – sem nem saber para Quem – “tem que existir um caminho melhor” (T-2.III.3:10). A resposta do Espírito Santo é usar o mesmo especialismo designado para evitar o amor como o meio para nosso retorno:
Não importa quão pouco santa seja a razão pela qual tu os fizeste, Ele pode traduzi-los em santidade... Podes colocar qualquer relacionamento sob os Seus cuidados e estar seguro de que não resultará em dor, se Lhe ofereceres a tua disponibilidade para que o relacionamento não sirva à necessidade alguma que não seja a do Espírito Santo... Não tenhas, portanto, medo de abandonar as tuas necessidades imaginárias que iriam destruir o relacionamento. A tua única necessidade é a do Espírito Santo (T-15.V.5:3-5, 7-10, 12-14).
Portanto, nossos relacionamentos especiais, quando utilizados pelo Espírito Santo, se tornam nossas salas de aula nas quais aprendemos a ouvir a canção esquecida. O que tem sido uma estrada nos afastando do amor, agora é visto como nada além de um desvio – um caminho indireto ao Lar, com certeza, mas, entretanto, um caminho certo por causa Daquele que está caminhando conosco. Emoldurando nossa jornada, nossos amores e ódios especiais se tornam os contornos do nosso caminho, não para serem julgados ou atacados, mas para serem gentilmente aceitos, pois, sem eles, nosso caminho estaria perdido. Esse é o significado da afirmação do texto:
Concentra-te apenas nela e não te perturbes pelas sombras que a cercam. É por isso que vieste. Se pudesses vir sem elas, não terias necessidade do instante santo... O milagre do instante santo está na tua disponibilidade para permitir que ele seja o que é. E na tua disponibilidade para isso está também a tua aceitação de ti mesmo tal como foste criado (T-18.IV.2:3-5. 7-10).
Mas para nós aceitarmos como “fomos criados”, precisamos primeiro aceitar nossas defesas contra aquele Ser. Portanto, nosso ego drapejado de sombras se torna o currículo que Jesus usa para nos ensinar a lembrar Quem nós verdadeiramente somos.
Aquele que precisa de cura tem que curar... Quem mais existe para ser curado? E quem mais tem necessidade de cura?... Deus não conhece a separação. Ele tem o conhecimento de que tem apenas um Filho... O processo que acontece nesse relacionamento é, de fato, aquele no qual o terapeuta diz, no seu coração, ao paciente que todos os seus pecados foram perdoados, junto com os seus próprios. Qual poderia ser a diferença entre cura e perdão? (P-2.VII.1:2, 3-4, 8-12; 3:1-4),
Em qualquer dado relacionamento, em qualquer dado instante, um dos dois parceiros está mais são do que o outro, e é responsabilidade desse dar o primeiro passo para ouvir a melodia subjacente que clama por ajuda, convidando outro a se unir na canção feliz do perdão de gratidão e paz:
Aquele que for o mais são no momento em que a ameaça é percebida, deve lembrar-se de quanto é profundo o seu débito para com o outro e de quanta gratidão lhe é devida e deve alegrar-se por poder pagar a sua dívida trazendo felicidade a ambos. Que ele se lembre disso e diga:
Eu desejo esse instante santo para mim, para que eu possa compartilhá-lo com o meu irmão, a quem eu amo.
Não me é possível tê-lo sem ele e nem ele sem mim... E assim eu escolho esse instante como aquele que ofereço ao Espírito Santo, para que a Sua bênção possa descer sobre nós e manter-nos em paz (T-18.V.7:1-8, 11-13).
O mesmo vale para o psicoterapeuta:
O psicoterapeuta é um líder no sentido de que caminha um pouco na frente do paciente e o ajuda a evitar umas poucas armadilhas ao longo da estrada por vê-las em primeiro lugar. Na forma ideal, ele é também um seguidor, pois Alguém deve caminhar na sua frente para dar-lhe a luz para ver. Sem esse Alguém, ambos irão tropeçando cegamente em direção a lugar nenhum (P-2.III.1:1-7).
Quando nós reconhecemos que estamos ouvindo a voz errada e escutando a canção errada, esse é o momento de “recuar e permitir que Ele nos mostre o caminho” (LE-pI.155), para que possamos realmente ouvir e escutar. Nós então ouvimos o pedido de ajuda do nosso irmão por trás das sombras de dissonância, e reconhecemos o chamado pela luz que é nossa também, pois a neblina do julgamento do ego não tem o poder de esconder a resplandecente luz do perdão:
A luz brilha neles com a mesma intensidade apesar da densidade do nevoeiro que a obscurece. Se não deres ao nevoeiro nenhum poder para obscurecer a luz, ele não terá nenhum... Podes lembrar-te disso por toda a Filiação... Perceber a cura do teu irmão como a tua própria é, assim, o caminho para lembrar-te de Deus... E dar a um irmão o que ele realmente quer é oferecer a mesma coisa a ti mesmo, pois é a Vontade do teu Pai que conheças o teu irmão como a ti mesmo. Responde ao pedido de amor do teu irmão e o teu é respondido. A cura é o Amor de Cristo por Seu Pai e por Si Mesmo (T-12.II.2:1-3,5-6,9-10; 6-10).
A cura do Espírito Santo não pode ser ouvida sem a nossa parte:
No entanto, Ele precisa de uma voz com a qual expressar o Seu Verbo santo, de uma mão para alcançar o Seu Filho e tocar o seu coração (P-2.V.5:7-9).
Portanto, Jesus realmente nos pede para estarmos uns com os outros da mesma forma que ele está conosco. Quando nós reconhecemos no ataque das pessoas o pedido desesperado de ajuda; quando nós ouvimos em sua violência a dor subjacente, quem não iria buscar alcançar e tocar a fonte dessa dor com as “mãos gentis do perdão”, sabendo que seriam nossas correntes de culpa que iriam cair, junto com as dos nossos irmãos (T-19.IV-C.2:5)? Como Prospero, o último herói de Shakespeare, diz perto do final de A Tempestade:
Não obstante suas grandes injustiças, eu me sinto tocado pelo ser vivo.
No entanto, com minha razão mais nobre, contra minha fúria
Eu realmente tomo partido. A ação mais rara é
Em virtude, não em vingança (V,i)
Jesus nos pede para assumirmos a “mais rara ação” do perdão: ouvir ao invés de julgar, escutar ao invés de atacar, perdoar ao invés de buscar vingança. Portanto, o que nós imaginamos ser pecado, culpa e medo realmente se transforma em harmonias de perdão, amor e cura; o mundo cacofônico do ódio dá espaço aos doces sons da música; a melodia do amor que cantamos primeiro um para o outro se metamorfoseia como a canção eterna que sempre cantamos para Deus. E nossa sala de aula de relacionamentos irradia o templo da estrela brilhante da nossa cura e a de nossos irmãos:
Pensa no que a união de dois irmãos realmente significa. E depois esquece o mundo e todos os seus pequenos triunfos e seus sonhos de morte. Aqueles que são o mesmo são um só, e nada agora pode ser lembrado do mundo da culpa. A sala passa a ser um templo, e a rua um riacho de estrelas que passa de leve por cima de todos os sonhos doentios. A cura está realizada, pois o que é perfeito não precisa de cura, e o que resta para ser perdoado onde não há nenhum pecado? (P-2.VII.8).

(Volume 14 – Número 3 – Setembro 2003) Kenneth Wapnick, Ph.D. Tradução: Eliane Ferreira de Oliveira)